Após um bi-campeonato, uma taça Challenge e uma prestação bastante aceitável na Champions, o Sporting separou-se de Hugo Canela, após uma época bastante agridoce.
Por muito que eu nutre um carinho especial por Hugo (afinal de contas é um leão como nós), era claro que a gestão e prestação da época passada foi má. Não digo fiasco, porque fizemos a melhor campanha da nossa história na Champions League do andebol. A nível interno apenas apresentámos um andebol de qualidade na primeira fase do campeonato. Tudo o resto a partir daqui foi sofrível. Tirando os jogos com o Dinamo e Vezsprém...
A gestão do plantel ao longo da época, a falta de jogos e, consequentemente, descanso a mais (quase 1 mês) aquando do campeonato do mundo no início de 2019, deitou tudo a perder. Quando o Porto estava num ritmo de jogo brutal na fase mais crucial da época, nós parecíamos que estávamos no início da pré-época: de rastos fisicamente! Não perceber que, com um plantel envelhecido, perdão, experiente, a gestão teria que ser exemplar, foi um erro que custou muito caro ao clube e ao Hugo.
O descanso faz-se competindo e gerindo a equipa. É por isso que existem pelo menos 2 jogadores por posição...
Com Hugo Canela, saiu também Carlos Galambas, o director para a modalidade. Penso que a sua inépcia para perceber quem já não devia estar no plantel, o falhanço da contratação de um lateral direito (teve um jogador acertado que chumbou nos testes médicos) e o timming de todos estes dossiers foram factores determinantes para a sua saída.
Mudanças
Rei morto, rei posto.
Para a nova época, temos um novo director e um novo treinador.
A escolha do director deixa-me um pouco de pé atrás, por algo que me foi confidenciado, mas, apesar de tudo, José Guimarães está mais dentro do andebol actual do que Carlos Galambas, sobretudo dos prazos em que as coisas devem ser feitas.
Já a escolha do treinador deixou-me felicíssimo! Thierry Anti, para quem ainda não o conhecia, é um treinador de top europeu e mundial. Nem me vou alongar acerca do senhor, porque não acho que seja necessário. Aquilo que espero de Anti é que faça um trabalho como o que realizou no Nantes ou, se quiserem um exemplo nacional, algo semelhante ao que Obradovic fez no FC Porto.
Com Anti, chegou também Rui Silva, ex-treinador do ISMAI e alguém que é, supostamente, bastante conhecedor das rotinas de ataque de 7 contra 6 (pelo menos foi o que li algures) e com qualidades reconhecidas na formação de jovens. Rui Silva já tinha sido, também ele, adjunto de Obradovic no FC Porto. Ser adjunto de Obradovic e Anti, não é para todos... :)
Com muito pena minha, todas estas decisões e indecisões sobre a troca de director e treinador arrastaram-se demasiado e aconteceram, a meu ver, muito tarde.
Em Maio, o mercado do andebol está "fechado". E quando digo fechado refiro-me aos jogadores de qualidade que estão disponíveis. Muitas equipas contratam com 1 ou 2 anos de antecedência. Exemplo prático: Alexis Borges (pivot do FC Porto) já está assegurado pelo Montpellier desde a época passada. Ao que consta, o Porto conseguiu mantê-lo este ano, pelo que apenas na próxima época viaja para França. E podia dar muitos outros exemplos do andebol europeu... Tentar contratar um lateral direito esquerdino de qualidade em Julho/Agosto para começar a época é algo de surreal! Estamos a falar da posição mais deficitária do andebol mundial - we're talking unicorns baby!
Ainda assim, nos últimos dias anunciamos Marko Vujin, um lateral direito internacional sérvio, com 34 anos, 2m de altura e mais de 100kg de peso. Esteve 15 anos ao mais alto nível, divididos entre Vezsprém e Kiel, onde é o melhor marcador de sempre. Um craque! Mas todos estes anos ao mais alto nível deixam marcas e, por isso, espero que Anti saiba gerir a sua condição física o melhor possível. É bem provável que não jogue alguns jogos e que na grande maioria deles nem defenda. Tenho para mim que Vujin terá no Sporting o mesmo papel que Lazarov tinha no Nantes com Anti.
Antes, já tinha chegado Mladenovic, outro sérvio vindo dos romenos do Dobrogea Constanta. Chegou como suposto especialista defensivo, mas, a meu ver e nestes primeiros jogos, tem-me surpreendido pela sua consistência... ofensiva. Comete muito poucos erros e faz as 3 posições no ataque (central, lateral direito e esquerdo) com bastante qualidade. Um tiro certeiro!
Gonçalo Vieira foi outro tiro certeiro. Um central vindo do Águas Santas, que já antes nos tinha "dado" Luís Frade. Com grande potencial e um braço potente, quem não o conhecia deve ter gostado do que viu no recente mundial de sub-21, onde combinava quase na perfeição com Frade ou, então, do que fez na recente vitória no pavilhão da Luz.
Tomas Van Zeller chegou do Sismaria e deverá ser o 4º guarda-redes da equipa. João Pinto, de 17 anos, subiu dos juniores e tem sido o 3º pivô, alternando entre a equipa A e B.
Sob a batuta de Monsieur Anti
Com 3 jornadas e outros tantos jogos particulares vistos, são já visíveis várias diferenças. Desde logo, a intensidade e ritmo de jogo.
Nos particulares, foi visível a intenção de fazer transições mais rápidas sempre que o adversário recuava lentamente, coisa raramente vista anteriormente. Uma ou outra jogada estudada, de onde ressalvo uma espectacular jogada onde o lateral direito se coloca como segundo pivô, cruzando o ataque à frente do primeiro pivô e recebendo de imediato a bola para finalizar aos 6m. Tudo feito com enorme velocidade.
De resto, a circulação de bola no ataque é feita com maior rapidez. Ao invés de abusarmos da entrada do ponta a segundo pivô como fazíamos anteriormente, temos um jogo mais fluído e utilizamos um dos movimentos mais comuns no andebol: um dos laterais carrega sobre o bloco central junto ao pivô, obrigando a defesa a colapsar para fechar espaços, permitindo, assim, espaço para o lateral contrário entrar aos 6m e finalizar ou, caso aja espaço, o lateral combina com o pivô para também ele finalizar aos 6m.
Se no passado defendíamos com muita intensidade, este ano a intensidade, no mínimo, manteve-se. Ainda assim, existem algumas nuances na organização defensiva.
Jorge Jesus disse que retirou da defesa à zona do basquetebol os fundamentos para a forma como as suas equipas defendem.
Uma defesa 6-0, como aquela que praticamos, tem que funcionar, também ela, como a defesa à zona no basquetebol: equipa compacta, a funcionar e movimentar-se como um elástico, deixando soltos apenas e só os jogadores que estão mais longe da bola ou, neste caso, com menos hipótese de marcar. Um bloco central (que são os jogadores em frente à baliza) coeso e forte, a funcionar como um só!
Dos jogos que vi, parece-me que, com Anti, os pontas defendem agora 1 ou 2 passos mais à frente que no passado, tentando, por vezes, formar uma linha quase horizontal mais consistente, estando, desta forma, mais juntos aos laterais. A ter que sofrer um remate, é preferível sofrê-lo de um ponta, que tem um ângulo mais reduzido, do que de um lateral ou pivô aos 6 m, bem de frente para a baliza. Tal como no basquetebol, a intenção é nunca ceder lançamentos ou remates que permitam uma boa percentagem de concretização e esses são sempre os de frente para o cesto ou para a baliza. Porque acham que os pontas fazem trajectórias para o interior antes do remate?!
Tive um treinador de basquetebol, na realidade até foi mais do que um, mas há sempre um primeiro, que me disse: "Nunca se descansa na defesa!". É um princípio que pode ser aplicado a todas as modalidades: futebol, futsal, andebol e, até, voleibol. Com Anti, o princípio também é aplicado no Sporting. Vejam um jogo ao vivo e vê-lo-ão gesticular bastante para os seus atletas, sobretudo quando defendemos. Obviamente que deverá fazê-lo mais nesta altura em que as ideias ainda não estão totalmente assimiladas. Os níveis de exigência do francês são altíssimos.
Houve também mudanças na constituição defensiva. Com Anti, Ghionea e Bingo defendem como laterais, passando o central a defender uma das pontas. Para além disso, Valdés foi mais deslocado para lateral, ao invés de defender o pivô adversário, como fazia muitas vezes.
E pensavam que me esquecia da mais óbvia?! Com a falta de um especialista na defesa ou um pivô meramente defensivo, como muitas grandes equipas europeias têm, Tiago Rocha e Luís Frade são agora obrigados a defender! Não me lembro da última vez que tinha visto o Tiago defender... :)
Tudo é feito com muita movimentação e intensidade, como um elástico, como referi anteriormente! Mesmo que, por vezes, um dos laterais dê dois passos em frente e intercepte um passe que, depois, termina com um contra-ataque e golo, como Valdés fez ainda há dias no pavilhão da Luz.
Resta saber, com a entrada do Vujin e o regresso do lesionado Carlos Ruesga, como é que estas dinâmicas ofensivas e defensivas irão ser alteradas.
No ataque, Vujin, com as suas trajectórias interiores (visto que tem um bom remate de 9m), deverá conseguir abrir mais espaço para o ponta receber mais bolas ou para a entrada do central; um pouco como Mbengué proporciona esse mesmo espaço para as entradas do Rui Silva e as finalizações de ponta do António Areia, no FC Porto.
Na defesa, resta ver se o sérvio defenderá, pois, devido à sua altura e peso, poderá ser chamado a fazê-lo a espaços e em jogos específicos, mas não acredito que seja uma mais valia nesse sentido.
Outra mudança
Frankis Carol Marzo é agora o capitão. Confesso que, no início, estranhei, porque Frankis é introvertido, discreto e nada aglutinador do grupo. Pelo menos, não o demonstra nos jogos. Via Nikcevic mais com esse perfil do que o agora capitão, mas, na realidade, não vejo o que se passa nos treinos.
Acho até que a braçadeira foi para lhe dar mais responsabilidade e fazê-lo assumir mais o seu protagonismo, visto que, em condições normais, Frankis é um jogador de grande classe (e sim, eu tenho noção que perde muitas bolas, mas isso é inerente a quem assume).
O que podemos esperar
Como Anti gosta de dizer "o caminho é longo...". Veremos que peso terá o desgaste da Champions este ano, numa equipa idosa, perdão, experiente (com a entrada de Vujin passámos a ter 10 elementos acima dos 30 anos) e como a gestão da época e da equipa será feita pelo francês; até porque o Porto continua muito forte (aquele bloco central...) e o Benfica investiu bastante (em 3 jogadores de grande qualidade), pelo que este ano vai ser ainda mais difícil.
Para mim, temos ainda muito que trabalhar para chegar aos níveis de exigência que o francês parece querer incutir, sobretudo, perder vantagem de vários golos de forma quase instantânea! É algo que já vem do passado (velhos hábitos custam a passar) e que já nos causaram vários dissabores. Espero sinceramente que Anti corrija este facto.
Outro dos pontos que teremos que melhorar é a prestação das segundas linhas. Alguns jogadores não têm estado tão bem e existe uma grande quebra de rendimento. Se queremos estar em mais provas para além do campeonato, este factor será fundamental.
Acho que poderemos lutar pelo título com o Porto de forma mais efectiva. O Benfica, apesar dos reforços, ainda está um pouco atrás na corrida, mas também ainda estão a começar. Foram também muitas mudanças nas rotinas de jogo, apesar do treinador ser o mesmo. Toft-Hansen foi um reforço de peso e deverá ser gerido com pinças, tal como Nyokas é. E Djordic será o melhor marcador do Benfica no campeonato. Nós estamos em crescimento e gostava, apesar de achar que será difícil fruto da idade do nosso plantel, de ver a nossa equipa praticar um andebol mais rápido, sobretudo nas transições.
Na Europa, será muito difícil igualar o trajecto do ano passado. Fazer melhor diria que será quase impossível. Mas o sonho comanda a vida...
Orçamentos e valores
Uma última nota para os valores investidos e orçamentos... A página "7 metros" fez um post muito interessante e que explica bem o porquê de equipas terem investido mais este ano. O formato da Champions vai mudar. Inicialmente, tinham-me dito de fonte segura que haveria um prémio de cerca de 800 mil euros, que é uma boa fatia do nosso orçamento anual. Ao que parece, não é bem assim, mas o andebol está a mudar e vai haver muito dinheiro para distribuir. A título de exemplo, o vencedor arrecadará cerca de 1 milhão de euros! Haverá dinheiro para os pontos conseguidos, para os jogos fora, para as posições no grupo, etc... A título de curiosidade, Romain Lagarde, um dos melhores do Nantes, foi contratado pelo Rhein-Neckar Lowen da Alemanha por pouco mais de 200 mil euros. Ter prémios deste calibre vai ser um bálsamo para muitos clubes, por isso esta época será fundamental em muitas ligas. Até porque o número de vagas da Champions vai ser reduzido. Quem perder o comboio agora poderá nunca mais o recuperar... Fica aqui o link para o post no facebook da página "7 metros", caso sintam curiosidade - Novo formato Champions - e tirem as vossas conclusões...
Brevemente, tentarei fazer uma antevisão ao nosso grupo da Champions.
Saudações Leoninas.
tigas68